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A invenção do selo postal

A seguir, trago uma tradução adaptada do excerto de um histórico do selo postal, dando destaque ao processo de concepção do selo postal e do empreendimento de sua implantação por Sir Rowland Hill.

Fonte: VALUET, Roger. Que sais-je ? Le timbre-poste. Paris : Presses Universitaires de France, 1971.

Rowland Hill inventaria o selo postal e, assim, estaria na origem do prodigioso desenvolvimento dos serviços postais.

Nascido em Kidderminster em 1795, Hill havia se dedicado principalmente ao estudo da matemática. Aos trinta e sete anos, escreveu um panfleto intitulado Colônias Interiores, no qual propunha uma série de métodos para erradicar o pauperismo e reduzir a criminalidade. Como secretário da Comissão da Austrália do Sul, ele teve uma participação ativa e importante na organização dessa colônia.

Sir Rowland Hill.

Nada o predispunha, portanto, a revolucionar os serviços postais. Foi apenas o acaso que o conduziu a essa área. A respeito disso, conta-se uma história mais ou menos romantizada, semelhante à famosa maçã de Newton, que o próprio Rowland Hill desmentiu em suas Memórias.
Certo dia, ao atravessar um vilarejo em um condado no norte da Escócia, ele surpreendeu uma conversa entre uma jovem e o carteiro, no momento em que este lhe entregava uma carta vinda de Londres. Com o envelope na mão, a jovem perguntou o valor da tarifa e, aparentemente assustada com o valor anunciado, fez um gesto de desânimo. Ela examinou novamente a carta, virou-a e depois a devolveu.
Comovido, Rowland Hill hesitou, supondo que a jovem não tinha dinheiro suficiente para pagar a quantia exigida, mas que era doloroso para ela recusar notícias de um ente querido; ele então decidiu intervir. Fez isso com gentileza, mas a jovem corou, ficou um tanto confusa em suas explicações e alegou, entre outras coisas, que não queria aceitar nada de um estranho. Hill insistiu, mas em vão.

Ao se afastar, Hill não pôde deixar de pensar que aquele recuo escondia algo, que, no fim das contas, a jovem não fazia realmente questão de receber a carta. Esse pequeno mistério o intrigou tanto que ele logo voltou atrás e bateu à porta da casa. Foi necessária muita paciência e insistência para obter a verdade:
— É simples, meu noivo trabalha em Londres e, se quiséssemos nos corresponder regularmente, nos arruinaríamos pagando as tarifas. Tudo o que queremos é saber que não nos esquecemos um do outro e que tudo está bem; por isso, combinamos dois ou três sinais que traçamos no envelope, e essa carta não continha nada além de uma folha em branco.

Essa confidência fez Rowland Hill refletir. Ele acabava de descobrir uma fraude contra a qual nada se podia fazer, mas que se explicava por tarifas excessivamente altas.
Fazer aceitar a ideia de uma tarifa única e reduzida era, inevitavelmente, provocar forte resistência. Desconsiderar a distância — e, portanto, os custos de transporte — e cobrar o mesmo valor de alguém que escrevesse de Londres para Dover ou para o extremo norte da Escócia parecia, à primeira vista, causar um déficit significativo; afirmar que o aumento do volume de correspondência compensaria essa perda era apostar no futuro.

Mas Rowland Hill era tenaz. Ele iniciou a batalha — e foi realmente uma batalha — enfrentando como principais adversários os funcionários do Post Office, que eram conservadores, presos a suas rotinas e assustados com as propostas desse revolucionário.
Ainda assim, Hill tinha argumentos sólidos. Ele demonstrava, com provas, que as tarifas elevadas levaram a administração a conceder inúmeras isenções que eram usadas e abusadas por pessoas influentes que delas se beneficiavam. A simplificação que ele defendia também representaria uma economia de tempo e uma redução considerável de pessoal. De fato, cada carta, sendo um caso particular, exigia uma contabilidade complexa, precisava ser acompanhada de escritório em escritório, e pode-se imaginar a tarefa do carteiro, que deveria cobrar a taxa de cada destinatário.

Para aqueles que o ouviam sem o apoiar, ele explicava que havia centenas de maneiras de fraudar o sistema. Rowland Hill não precisava sequer ter vivido o episódio com a jovem escocesa para conhecer outro subterfúgio. Em um folheto sobre a Reforma Postal, ele atribui a fraude a um de seus amigos, mas mais tarde, em suas Memórias, admitiu ter se beneficiado dela. Para se corresponder com seus pais, ele enviava jornais cujas faixas de remessa traziam o nome de um membro da Câmara dos Lordes ou da Câmara dos Comuns, que na época eram isentos de pagamento; quando um "whig" era o remetente, isso significava que sua saúde estava boa; se fosse um "tory", isso significava que sua saúde estava debilitada.

Mesmo com uma argumentação sólida e clareza quanto ao objetivo, Hill ainda não tinha encontrado a solução definitiva. Foi necessário muito esforço até que ele chegasse à ideia do selo postal. Inicialmente, retomando ideias já conhecidas, ele cogitou o uso de envelopes e folhas de papel com selos impressos, que permitiriam o depósito em caixas de correio. No entanto, como no projeto Piron, isso exigiria vários tipos de envelopes e folhas.

Diante de uma oposição tão tenaz quanto ele, Hill imaginou "um pedaço de papel de tamanho justo para conter o selo", ou seja, a estampa, com uma camada de goma no verso que poderia ser aplicada na carta.
Aos poucos, sua ideia foi se concretizando, e ele propôs "pequenas etiquetas, seladas, móveis, de aproximadamente uma polegada quadrada, preparadas com uma camada de material adesivo no verso, que poderiam ser fixadas sem o uso de cera de lacre". Ele foi além: já visualizava sua impressão em folhas de vinte fileiras de doze selos cada.

Bloco de 6 selos do Penny Black: o primeiro selo.

Dessa vez, ele oferecia a solução tão procurada, mas os retrógrados ainda se recusavam a ouvi-lo. O conde de Lichfield, Mestre dos Correios, considerava essa proposta "a mais extraordinária de todas as invenções loucas e visionárias", e o coronel Maberly, secretário do Post Office, dizia que ela era irrealizável. Mesmo ocupando um cargo temporário no Tesouro, em 1839, Rowland Hill continuava enfrentando a resistência obstinada dos dirigentes do Post Office, cujas estruturas ele queria reformar, e de figuras influentes da política.

Convicto de que estava no caminho certo, Hill lutou com determinação e, para vencer a resistência, apostou na opinião pública: ao propor uma redução significativa da tarifa, ele conseguiu atrair o apoio popular. E ele estava certo. Um comitê comercial fundado em 1836 fez campanha em favor da reforma, provocou petições e reuniu mais de quatro milhões de assinaturas.

O Parlamento não poderia ignorar um movimento tão expressivo. Nomeou comissões e, finalmente, sem muito entusiasmo, o Primeiro-Ministro, Lord Melbourne, propôs o projeto de reforma, que foi aprovado. Lord Melbourne não acreditava que o aumento no volume de correspondência compensaria as perdas, mas admitia que o orçamento do país poderia suportá-las e que a prosperidade comercial e industrial crescente provavelmente mitigaria seus efeitos.

O projeto foi aprovado por maioria confortável na Câmara dos Lordes e na Câmara dos Comuns; o custo de uma carta simples foi fixado em um penny, a isenção parlamentar foi abolida e as franquias administrativas foram limitadas. Além disso, a Câmara dos Comuns se comprometeu a cobrir o déficit resultante da redução das tarifas.

Em 26 de dezembro de 1839, um texto oferecia ao público diversas opções de franqueamento:

  1. Papéis timbrados;
  2. Envelopes timbrados;
  3. Selos adesivos;
  4. Selos impressos em papéis enviados ao Departamento de Selos.

 

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